"No silêncio mais fundo desta pausa,
Em que a vida se fez perenidade,
Procuro a tua mão, decifro a causa
De querer e não crer, final, intimidade"
José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"
Vou tocando nas teclas do piano que contempla a minha vida, produzo a acústica que me envolve e me eleva ao desconhecido, um horizonte perfeito a meus olhos, longe do mundo que hoje vivo, pobre em medos e inseguranças e rico em paixão, felicidade e vitalidade. Neste lugar sem nome ou história encontro-me eu em cada canto, um retrato gasto, sem cor, apenas um rasto de alma que sopra em direcção ao sol que me aquece a face e me magoa os olhos, cegando-me sempre que me aventuro a olhar mais longe e vislumbro a sua forma e cor.
Procuro em vão por ti, há muito que te perdi o rasto e dificilmente te encontrarei perdido nas ruas que me viram crescer e tornar-me no que sou hoje, não aos olhos daqueles que simplesmente viraram costas e me empurraram violentamente para fora das suas vidas, censurando cada palavra de súplica ou saudade, ignorando as lágrimas que verteram a cada vez que aclamava pelos seus nomes com uma réstia de esperança na voz rouca de esforço e desilusão, mas sim tu que sempre estiveste guardado no meu bolso, acompanhando-me em cada decisão e aventura, procurando nas minhas palavras o meu velho eu que conheceras e o novo pelo qual te apaixonaste. Talvez também tu acabaste por ceder e desistir do que sou, abandonar o barco e nadar até à areia onde tudo é sereno, longe da tempestade que crio a cada vez que remo contra a maré.
Uma chama nasce por entre as folhas caídas que secam pela falta de vida no ar, o oxigénio falha e com ele a morte rasteja pelo chão que um dia pisei em plena primavera. O fogo consome o que um dia pensamos ter sido tudo, as recordações materiais do nosso amor, os objectos que um dia nos ajudaram a lembrar o que fomos um ao outro, o papel que testemunhou a paixão a crescer e a fundir-se em cada palavra escrita pelas minhas mãos suadas de tanto sentimento acumulado nas leves expressões que revelam tudo o que sinto sempre que o finjo desconhecer.
Talvez a distância não esteja eminente, mas a verdade é que até as palavras conseguem ser espaços entre nós, os silêncios que um dia pensei fazerem parte da nossa vida passaram a significar mais do que um dia poderia sequer imaginar, é neles que te sinto, a tua respiração que denuncia o que sentes, o inconsciente que negas mas que eu tão bem conheço. Cada dia passa e cada vez a minha mente se abre para conhecer a tua, ver-te como um espelho que reflecte o que és, o brilho que nasce no teu olhar e contempla o teu corpo, iluminando-o na penumbra que por vezes te encontras.
Não será esse o teu grande medo? O abismo que constróis sempre que me apertas junto a teu peito, sempre que foges com palavras vãs que nada me dizem mas que para muitos talvez dissessem tudo, talvez sejam elas a saída que encontras para fugires do que verdadeiramente temes, amar-me, saberes que inconscientemente entregaste-te a mim, não uma parte, um fragmento que facilmente reporias, deste-me o que és, tudo, sem tirar nem pôr, e agora o que te resta? Nada, pois tu estás guardado no meu coração a sete chaves e por mais que digas, por mais abecedários de palavras vazias que construas em torno de nós, eu sei que basta uma impressão, um toque da minha mão, para que te entregues novamente, tu em pleno, sem máscaras ou ilusões, o teu verdadeiro eu.
está absolutamente maravilhoso e fascinante! adorei, como sempre *.*
ResponderEliminarDeixa-me que te diga que este teu texto também está incrivelmente bonito.
ResponderEliminarObrigado pelo comentário. Irei seguir*
obrigada $:
ResponderEliminaradoro o teu blog, vou seguir (: