Words are spaces between us

A alma está para lá das palavras, encontra-se escondida nas vírgulas que separam os sentimentos latentes nas frases ditas inconscientemente.

domingo, 29 de agosto de 2010

Nada fora do mundo

"Eu vou estar sempre aqui, nada vai mudar
Sinto-te arder no meu fundo, eu vou estar sempre aqui
Nada vai mudar, sinto-te entrar no meu mundo fundo"

Ornatos Violeta, "Notícias de fundo"







Um resto de calor concentra-se nos recantos da casa que um dia chamei lar, o palácio que desenhei nos sonhos remotos da minha velha infância, tão antiga que mal a reconheço, carregada de expressões que a envelhecem e a modificam a meus olhos. O frio reclama lugar no meu espaço e com ele chega a dor para ficar cravada no meu corpo escurecido pela penumbra da sombra que escurece o horizonte que impera para lá da janela, a abertura da minha alma e do meu ser. Ao fundo do corredor que um dia foi o meu refúgio nas noites sombrias em que o medo tomava posse da minha razão está o teu retrato amarelecido. Apesar de já lá estar desde que te conheço, o teu olhar encontra-se igual, o mesmo brilho permanece e ilumina todos os cantos da parede acinzentada manchada pela humidade do tempo gelado que toma o meu coração e o esfria de tal forma que chego a achar que se forma gelo. Do outro lado da porta que nos separa, a mim e à tua imagem, encontro-me eu, cada vez mais clara pela saudade que corrói os meus traços e clareia o meu cabelo que se torna branco face a luz do sol que deixou há muito de imperar no meu mundo. Tão longe, tão perto.

A verdade é que não tive a noção do momento exacto em que te tornaste no que és hoje, como a acústica que invade a atmosfera e sem darmos por ela fica cativa na nossa mente de tal forma que começamos a cantarolá-la a cada passo ou pensamento sem termos consciência de onde ou como a decorámos. Redigi num velho papel todos os planos para nós, secretamente desejei-os e por segundos fui capaz de acreditar que eles iriam ser a nossa promessa de futuro, aquilo que nos poderíamos tornar longe de todos os olhares que aprenderam a ver-nos como velhos amigos que somos, pele a pele, corpo a corpo, carne a carne, seriamos um só e apenas um só.
O caminho encontra-se de tal forma deserto que me sinto sozinha apesar de a loucura ser minha companheira de viagem e o que sinto uma doença que contamina a pele do meu corpo e aos poucos aquilo que sou, consciente e inconscientemente. Não sinto a tua presença, a respiração pesada, os movimentos espontâneos que marcam o que somos sem sabermos, o teu olhar sob o meu ombro, controlando cada movimento do meu corpo, cada sílaba proferida nos momentos intensos em que as palavras eram meros diálogos sem sentimento, letras indecifráveis, sons mudos que juntos formavam uma melodia intensa e acolhedora.
O que queres que te diga? Que vou esperar por aquilo que sei que não voltará? Eu sou como um mar carregado de ondas que explodem a cada sopro do vento violento de inverno, um misto de calma e raiva, rebeldia e sossego, sou um mero paradoxo que resiste ao tempo e aos acontecimentos da vida, sou a sombra do que sou, um leve toque do mundo que me tocou, o reflexo do que vi e vivi durante estes anos que aqui estou e hoje quero partir rumo à dor e à felicidade que me espera para lá do que é hoje o desconhecido.
A verdade é que o nosso amor acabou mesmo antes de ter começado, não existe qualquer futuro para nós os dois, somos meros peões do jogo que é o destino, estamos longe de sermos perfeitos e deuses do mundo e das nossas vidas, o acaso impera na nossa história e talvez um dia nos bata à porta, até lá o nosso mundo acaba e as páginas onde estavam escritas todas as promessas que tinha feito a mim mesma vão ser rasuradas de tal forma que ninguém saberá o que elas um dia foram para mim. Espero enganar-me a mim própria, prometer o que tenho e tudo aquilo que sei que nunca virei a ter só para te tirar de mim e do meu coração.

4 comentários:

  1. a forma como escreves é tão envolvente, adoro. e este texto? está tão fantástico, como sempre

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  2. um texto muito bonito. identifico-me muito com este texto e talvez por isso me tenha envolvido tanto ..

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  3. obrigada, boa sorte também para o teu que até agora está em bom caminho

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espírito crítico